Sexta feira Santa

 

Desde pequena tenho respeito e um certo desconforto com a sexta-feira santa. 

Eu sou criança da década de 80,então, fiz catecismo, hoje em dia, catequese, obrigada, Primeira Comunhão obrigada e ficava muito brava quando não podia participar da coroação de Nossa Senhora porque o padre fofo da época dizia que "não tinha anjo preto no céu"

Na Semana Santa, se instalava um clima de tragédia e recolhimento forçado na minha alma. Éramos obrigados a ver todos os filmes da Paixão de Cristo possíveis e imagináveis: os que passavam na Sessão da Tarde, o que a Tia Nadir do Catecismo passava...enfim, todos. Daí, lá vinha aquele sofrimento sem fim de Jesus, que já sabia que ia sofrer à beça, se derramando na tela. Eu ficava arrasada de ver Jesus apanhando mais que boi ladrão, tomando vinagre, tendo as mãos e os pés pregados, e a gente via no filme o centurião PREGANDO as mãos e os pés de Jesus! É uma imagem horrorosa que não saiu da minha cabeça até hoje!

Eu não entendia porque ele, que SABIA que ia sofrer, se deixava matar daquele jeito. E por um povo bem escroto que cuspia nele, e, ainda queriam um ladrão safado solto. É muito para a cabeça de uma criança 

Mas, eu fingia que aceitava para minha mãe não ficar brava, e, seguia lá, fingindo contrição, quando eu estava era bem danada com Jesus, que não dava um jeito de se salvar , e, ao mesmo tempo, arrasada com a maldade das pessoas. Todo esse meu sentimento era só na Sexta Feira. 

Ah, e ainda tinha a história de "nem poder varrer uma casa e nem fazer nem um barulhinho até às 3h da tarde", pois, segundo dizem, foi a hora que Jesus morreu. Se fizesse, se falasse um palavrão ou desse um grito que fosse, no Sábado de Aleluia, as crianças viravam os Judas das mães.

Até hoje, para mim, Sexta-feira Santa é um dia cheio de nuvens, lamento e recolhimento. Minha mãe costumava dizer que nem os passarinhos cantam em respeito à dor de Jesus.

Vocês acreditam que ainda não ouvi nem um pio de passarinho hoje?